domingo, 8 de março de 2009

Uma relação quase incontida

Poucos meses após nossa mudança para Pompéia comecei a trabalhar na AFL na Rua Domingos Raggi. Cotidianamente, caminhando para casa no final do dia, enquanto este era suavemente sorvido pela noite como uma doce iguaria, assistia um gratuito e surpreendende espetáculo. Um comboio de máquinas Uniport, seguia batedores com luzes piscando freneticamente pela Rua Presidente Eurico Gaspar Dutra em direção à Av. Industrial para algum entreposto antes de serem repassadas às mãos de seus donos em algum lugar deste país ou alem fronteira.

Aquelas máquinas com os faróis acesos assemelhando-se a espadas de luz desfilavam como um exército em demonstração de força. Isso me fazia sentir como um figurante de um filme de George Lucas. À medida que a marcha continuava, me via entregue ao entusiasmo de um espectador impulsionado a aplaudir uma obra que não era ficção ou um produto de Hollywood, mas fruto real de idéias e trabalho que em gotas diárias ao longo de décadas produziu este oceano de tecnologia e vanguarda para o mundo.

Minha relação com as obras que fazem a história é um pouco estranha. Cada vez que as vejo penso em quem as fez, como viviam, quais eram seus desafios, satisfações e sonhos. Mesmo quando ando pelo centro de Pompéia observo a arquitetura das construções, seus detalhes e ornatos que de modo geral estão velados por modernos painéis das lojas e escritórios. Que mãos desenharam, e quais acentaram os tijolos e ornaram suas fachadas? Gostaria de encontrar uma foto deles, e ver seus filhos e suas roupas.

Como na criação relatada no livro de Gênesis, onde o homem recebeu do espírito de seu criador, sinto que nestas obras há um pouco da vida e dos dramas de quem suou e trabalhou até transpor a barreira do imaginário para o real. Os materiais e superfícies que formam tais obras, abrigam a história destas pessoas, carregando impregnada nelas o cheiro e emoção dos seus obreiros, faltando apenas ganharem uma alma.

Hoje, trabalhando no Grupo Jacto, geralmente chego de manhã na portaria antes das catracas abrirem. Ali, entre os muitos colegas que ao chegarem se acumulam como águas junto a uma comporta que se fenderá, ouço um pouco da estória de alguns que não se constrangem em falar para que ouvidos alheios escutem. Falam do desgosto ou da satisfação com o time do coração, do carro que não sai da oficina, do fim de semana trabalhado no aumento de um quarto para o filho que nascerá..., até que rigorosamente às 6:45h as gentis catracas dão passagem a todos para entrarem pela fábrica e escritórios como uma onda até então represada, levando consigo suas estórias para com horas e horas de trabalho trazer à existência as grandes idéias.

Se um dia me virem aplaudindo uma dessas engenhosidades alaranjada não estranhem, é porque minha relação com elas e com quem as fez tornou-se incontida.