terça-feira, 13 de dezembro de 2011

2012 COM UM OLHO NO PEIXE E OUTRO NO GATO!

Em todo reveillon sinto vontade de saber o que vai acontecer no final do ano seguinte. Porém, esse ano, essa vontade aumenta ainda mais! Mesmo que fosse só um pouquinho, eu gostaria de ver o próximo ano como muitos costumam ler uma revista ou jornal: do fim para o começo. O motivo: uma ousada data marcada para o Apocalipse (ainda que muitos duvidem).

Dizem por todo lugar (e desta vez até o cinema deu força com o filme “2012”), que o mundo vai acabar em 21 de dezembro de 2012. Tudo tem a ver com o solene calendário do povo Maia, que finaliza os tempos nesta data. Pode ser que o mestre que elaborava o calendário teve um “piripaque” e não terminou seu trabalho, deixando-o parado na trágica data de 21 de dezembro de 2012. Porém, pode ser que ele deu um chute certeiro.


O conselho do Chapolin “não criem cânico” seria apropriado nestes dias. Entretanto, ao colocar os pés no chão no próximo dia 1 de janeiro será difícil evitar a sensação de estar entrando no Titanic sabendo o final da história. Aliás, em 2012 completam-se 100 anos do acidente com o luxuoso navio e seus 1528 passageiros. No filme mais recente sobre a trágica viagem, a trilha sonora com Celine Dion mesclou-se com o som de violinos tocando o hino cristão “Mais perto quero estar, meu Deus de ti” quando todos souberam do inevitável naufrágio. Somente com esta canção no pensamento e no coração será possível atender ao Chapolin.

O seguro morreu de velho, diz o ditado popular. E, de acordo com essa máxima, acho melhor tomar umas providências mais radicais que vestir roupa branca ou pular sete ondinhas no mar nesse reveillon. Se a previsão é para ganhar ibope, descobriremos no dia seguinte da fatídica data. Se não, prudente é seguir o conselho de Jesus aos seus ansiosos discípulos que o pressionaram sobre o fim do mundo. O mestre respondeu: “Vigiai, pois, porque não sabeis a que hora há de vir o vosso Senhor”. Sendo assim, bom é entrar em 2012 com um olho no peixe, e outro no gato!

terça-feira, 29 de novembro de 2011

POLEGAR

Sempre considerei o dedo polegar o mais folgado de todos os dedos da mão. Esta impressão começou nas aulas de datilografia. Naquele tempo, datilografar bem era apólice de seguro contra desemprego. Em qualquer entrevista para emprego, de gari a presidente da república, o candidato podia esperar a pergunta: Você tem datilografia? Se a resposta fosse sim, havia chances, se não, só pela misericórdia de Deus.

O feito de datilografar bem exige o uso dos dez dedos das mãos para tocar as quase cinquenta teclas, sem contar as combinações para maiúsculo, minúsculo e caracteres especiais. Esta tarefa era um desafio para os dedos gravarem a posição (em média) de quatro teclas, exceto os ociosos polegares. Enquanto até o dedinho fazia serviço de dedo grande, os polegares repousavam em berço esplêndido sobre a barra de espaço, ocupando-se apenas de trazer à vida os espaços entre as palavras.

Ao repousar os polegares sobre a barra de espaço e os demais dedos sobre as clássicas teclas a-s-d-f-j-k-l-ç, penso que eles ganhavam uma inteligência superior. Veio-me esta sensação há pouco tempo, quando, sem as mãos no teclado, procurei a tecla b. Quase o pânico tomou conta de mim durante os infinitos segundos da procura. Lembrando-me do sábio conselho “muita calma nessa hora”, deitei os dedos na sequência que eles bem conheciam. Pronto! A memória do indicador esquerdo não falhou: parado sobre a letra f, logo achou a letra b, velha amiga tocada tantas vezes pelo fiel amigo.

Entretanto, atualmente noto algo estranho em relação ao uso do polegar. Vejo crianças, jovens, e alguns colegas usando o tal dedo como nunca usei para escrever desde os tempos da brilhantina. Curiosamente, os celulares, iphones, ipods e outros "ais" da modernidade, ainda dependem do formato de teclado com cheiro de naftalina para manter a temperatura da febre de trocar mensagens.

Hoje, as teclas continuam as mesmas, mas o tamanho do teclado encolheu. O conjunto de teclas cabe numa mão, mas as mãos não cabem mais no teclado. Com isso, somente um polegar reina sobre as teclas e suas combinações para povoar de mensagens terra, céus e mares. Será que ele estava preparado para este reinado? Parece que a era da comunicação hi-tech caiu nas mãos de um polegar.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

A MULA E O SEMÁFORO

Tudo começou com a mudança do sítio para a cidade de Onésimo e sua mula Ambição. A saída do campo para a vida urbana é fácil de entender, mas uma mula com nome Ambição carece de explicação: Onésimo, proprietário do quadrúpede, na infância impressionou-se com a história do ambicioso profeta Balaão, que desprezou o conselho de Deus. O profeta só se deu conta de sua asneira quando, por uma ação divina, sua mula exortou-lhe com voz humana. Onésimo, assim que ganhou de seu pai o pequeno animal, não teve dúvida na escolha do nome: batizou-a de Ambição, a fim de lembrar-se de que ambição e burrice refletem-se num espelho.

No caminho para cidade, Ambição trotava sem pressa de deixar a vida do campo. Entretanto, o ritmo da cidade era como o de um remanso. Porém, um certo dia, a rotina da cidadela mudou - um dos cruzamentos centrais ganhou a atenção dos moradores. Ambição observava os olhares humanos ao alto e dedos apontando para grandes luzes multicores, que, feito faróis ficavam suspensas no ar por um esbelto poste: Um semáforo era a mais nova aquisição e sensação do município.

Entre os curiosos, Ambição ouviu uma voz mais empolgada: “Olhem, é igual ao da cidade grande!”. Ela nem se deu conta do que ouvia, mas estava sendo testemunha de uma profecia. Envolvida pela novidade e frenesi dos humanos, a admiração de Ambição pelo semáforo tornou-se um caso de paixão não correspondida. Semáforo, em sua glória, passava os dias dado ao orgulho e irreverência controlando o ritmo dos veículos e pedestres. Onésimo, ignorando tal paixão, estranhava a teimosia de Ambição em passar naquele cruzamento, apesar de ser alvo do desprezo de Semáforo.

Sem pedir licença, o progresso entrou na vida daquela comunidade, cumprindo a profecia de tornar-se cidade grande. Onésimo e Ambição retornaram à vida campestre. Os carros modernizaram-se e multiplicaram-se, porém a admiração e respeito ao semáforo minguaram. Semáforo sentia-se desprezado pelos motoristas que aproveitavam sua distinta luz vermelha para arrumar cabelos, retocar maquiagem, falar ao celular ou  paquerar. Seu rico amarelo cansou de pedir atenção. O verde, por mais justo que julgasse ser, chateava-se ao ver caras e bocas insatisfeitas com seu tempo.

Semáforo, apesar da vida agitada sob seus olhos multicores, acumulava um sentimento de culpa ao ver seu vermelho atrair assaltantes e pedintes, além de serviços não solicitados que mais constrangiam do que serviam aos motoristas. Num dia de muito sol, Semáforo teve um breve delírio, e viu entre os carros um par de olhos de mula fitando-o ao alto. Lembrou-se do olhar apaixonado de Ambição, e do tempo e valor recebido da humilde admiradora. Enquanto a visão se apagava, acendia em Semáforo uma certeza: a de que ele não passava de um burro.

sábado, 24 de setembro de 2011

O VENTO

O dia de soltar pipa chegou. Os cartazes pela cidade chamavam desde as crianças até os avós. Tornou-se um domingo esperado para muitos, como o dia de pescaria ou de viagem de férias. E foi o dia do vendedor de pipas tambem (bem que ele queria ser um polvo naquela manhã, pois faltaram-lhe braços para entregar as pipas e recolher das pequenas mãos o dinheiro em notas enroladas...).
 
Ali, no meio de tantas pessoas que estavam esticando em mais uma geração esta tradição de brincar com o vento, entendi que quem faz a pipa é o próprio vento. As partes da pipa se compram e se constroem, mas o vento não se faz, não se compra, não se deixa dominar. Só há pipa no céu quando ele quer. E pipa no chão é choro sem lágrima. Mas, para alegria de todos, lá estava ele, invisível e intocável, sem traços que o contornem ou pincéis e tinta que lhe deêm cores. Delgadas e coloridas, as pipas no céu anunciavam a sua presença naquele dia.

Quem não sabe que o vento é livre, quase um soberano? Não há presídios que detenham-no. Até Jesus, o único que dominou-o, afirmou que ele sopra onde quer, e mesmo ao ouvir a sua voz, não se sabe de onde vem, nem para onde vai. Os “neurônios divinos” só acharam um paralelo para a nova vida que o cristão legítimo recebe  na liberdade do vento.

As vezes penso que o vento tem temperamento, ou melhor, todos os temperamentos e humores. Quem não se emociona com uma brisa terna da tarde de Outono que encarna lembranças de momentos queridos? Travesso e extrovertido é o vento de Agosto que levanta as saias e desmancha penteados. Súbito e intempestivo, o vemos chegar no Verão revirando guarda-chuvas e fazendo telhados voarem.

Tão cheio de vontades e humores ele é, que torna vão todo esforço em entendê-lo. Misterioso, temperamental, ora sopra, ora não sopra, sopra de lá para cá e de cá para lá, como quer. Por isso, nem sempre ele é bem entendido: Quando geme, alguns dizem que canta, e quando ele canta há quem diga que ouve gemidos. Tão misterioso é, que o nome do instrumento que se presta a entender sua direção foi batizado de Biruta. Apesar de tudo isso, não é difícil concordar com o escritor Fernando Pessoa que diz: "Só para ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido".


domingo, 14 de agosto de 2011

VIAGEM AO LUGAR SECRETO

Entrei no circular rumo ao trabalho certo de não encontrar acentos vazios. Para ser mais claro, nem esperava por espaços sobrando para ficar em pé. Como um trapezista, estiquei o braço para segurar nas barras do corredor do veículo buscando equilíbrio, habilidade que não pode faltar a nenhum passageiro de ônibus circular ou desta vida.

Algo chamou minha atenção entre os passageiros sentados. Notei que alguns lugares aparentemente estavam vazios. De onde eu estava não via o rosto de alguém que poderia estar sentado naqueles espaços. Com um pouco de contorcionismo dei alguns passos em direção à eles. Arriscando um olhar de quem nada quer a um destes espaços encontrei à altura de uns 40 centímetros do assento um topetinho de cabelo iluminado por reflexos de gel. Deduzi que foram as mãos caprichosas da mãe do passageiro mirim que fizeram aquela escultura capilar.

Ao lado da criança havia uma jovem senhora. Os traços do rosto dos dois denunciavam que se tratava de mãe e filho. O olhar da criança era curto e ligeiro, como de passarinho assustado. Entretanto, quando se voltava para a mãe, parecia espreguiçar seus olhos sobre ela. Havia entre eles um ar de satisfação. Ambos, modestamente bem vestidos, pareciam seguir para uma ocasião especial. Os pés do filho que nem tocavam o chão, balançavam querendo apressar a chegada. “Qual seria o destino deles?”, pensei.

E o que acontecia com os outros acentos que pareciam vazios? Acertou quem respondeu que também levavam a dobradinha mamãe e filhote, comportados e banhados de expectativas. Geralmente, as mães com filhos de idade como aqueles precisam de mais de dois braços para contê-los no banco. Entretanto, notei que aquelas não usavam nem os próprios para ter suas crias quietas e bem comportadas.

O enigma do destino delas se desfez quando vi que as crianças usavam camisetas idênticas, alusivas a um evento entre pais e filhos aos funcionários de uma empresa do mesmo grupo que sou funcionário. Portanto, decifrei aquele comportamento peculiar de quem sonha; Estavam prestes a conhecer e ter atividades no local de trabalho da mãe ou do pai. Seria para elas como penetrar no esconderijo do seu super-herói. O mistério daquele lugar guardado entre muros e só conhecido em parte pelas estórias ouvidas no jantar se revelaria em poucas horas.

Desde aquela viagem repetem-se em minha mente as cenas dos olhares entre mãe e filho. Não sei se continuam a olharem-se como os vi, pois o motivo daqueles semblantes foi-se com o pôr do sol, mas as expressões que assisti colaram em minha mente. Hoje, elas convertem meus sentimentos aos de uma criança nesta viagem que faço rumo ao dia de entrar no lugar secreto do meu Criador e eterno Pai para uma aventura sem fim com Ele.

domingo, 12 de junho de 2011

SOU DELES, E ELES SÃO MEUS

Em um fim de domingo bem caseiro, assisti novamente o filme O Pequeno Príncipe. O livro é digno de ser lido mais de uma vez. É uma história delicada e emocionante que ajuda-me a corrigir o grau dos óculos que uso para ver o mundo e a vida. Bom remédio para os sintomas de rigidez no trato com os que me cercam.

As frases que formam os diálogos entre os personagens jorram como uma cachoeira de graça. Uma das mais marcantes é dita pela raposa ao pequeno príncipe:
- Tu serás para mim único no mundo e eu serei para ti única no mundo.
O ritual de cativar e se deixar ser cativado desfila em cenas dignas de um cerimonial.

A sensação de um mundo irreal e impossível de viver cresce a cada cena. Não parece que encaixa bem nos dias atuais este desejo de se dar ou de se deixar pertencer. Soa como cárcere. O oposto, ansiar ter o afeto deste ou daquele cheira megalomania. Seria sim prisão, ou despotismo, se o pertencer e se deixar pertencer não fosse um jogo de amor. Os cárceres e tronos de vaidade ficam vazios quando se vive sem o toma-lá dá-cá, combustível da maioria dos relacionamentos atuais.

Olhar para a aliança em meu dedo anelar esquerdo, ver minha foto no crachá da empresa, mirar sinais meus em minhas filhas e tantos outros elos corriqueiros, percebo como toques da graça de Deus para não deixarem-me esquecer que sou deles, e eles são meus.


Curiosamente foi nas aulas de matemática, na teoria dos conjuntos que apresentaram-me ao tal pertencer. Alface pertence aos vegetais; numero pertence aos numerais; gato pertence aos animais. Tão primitiva e tão real, pertencer é noção que se espalha por todo universo, tanto visivel como invisivel. É um paraiso do qual ninguem é expulso, mesmo que escrevam com ouro que ninguem é de ninguem. Alias, até quem acredita assim pertence a um conjunto: o conjunto vazio.

domingo, 22 de maio de 2011

PÁRA AI MOTORISTA!

Existe cidade de todo tipo. Conheço uma comprida e estreita como um riacho. Suas principais ruas são como nossas veias que vão da cabeça aos pés. Um par de linhas de trem, como espinha dorsal, divide-a em duas partes: norte e sul. Cada uma é servida por uma linha de ônibus circular, que trafegam num vai e vem quase reto, feito boi no arado. Os próximos parágrafos te levarão a um breve passeio por uma dessas linhas.

A linha do lado sul dá duas alegrias aos usuários a cada vai e vem. A primeira é quando o passageiro sobe no ônibus, já que a espera no ponto acabou. A segunda é quando desce. Os que ocupam os lugares próximo à saída do veículo são testemunhas disso. Assim que a teimosa porta abre, não é raro ouvir de quem está saindo:
- Descer é melhor que subir!

Ritmado por solavancos, o veículo segue seu trajeto. A cada parada, os sons e ruídos do ônibus tentando sair parecem cantar:
- Daqui não saio, daqui ninguem me tira.
A emoção não acaba por ai. Ela domina geral quando em notas altas, ouve-se em coro os passageiros clamando:
- Pára aí motorista!
Pode ser um vovô, ou alguma mãe com crianças fora do ritmo do condutor, na intenção de descer ou subir.

Justiça seja feita. Nem sempre o motorista perde o ritmo por causa de quem paga para andar. Não é qualquer um que aguenta como ele tantas horas sentado. Ainda mais sobre um banco apoiado por um pedaço de madeira, que sabe-se lá, até quando o manterá sentado acima do chão. Há de se tirar o chapéu também para o cobrador, que anda ausente nos últimos dias. Sua falta permite ver melhor onde ele assenta-se, o que faz pensar que conforto é uma sensação estranha naquele lugar.

Cada percurso tem seu tempero de gente e de situações. As conversas são soltas, tanto com quem está ao lado, como pelo onipresente celular. Ora são divertidas ou fugazes, e por vezes, dramáticas. De um modo ou de outro, salvam do tédio qualquer um. É gente que trabalha, estuda, sonha, paga conta e impostos. Quem sabe, com boa vontade de quem manda, essa gente ganha transporte de gente. Mas nenhum decreto pode fazer valer mais o que dá graça em cada viagem: a vida que corre em cada um que vai e vem pelas veias dessa cidade.

terça-feira, 19 de abril de 2011

A VELHA SURDA

No tempo da TV em preto e branco, eu e minha família ríamos muito com a Velha Surda do programa Praça da Alegria. Ela chegava cantando "ó querido, ó querido, ó queriiiiido Clementino", e sentava no banco da praça, entre o Manoel da Nóbrega e seu Apolônio. Por causa da surdez, trocava o sentido de toda conversa com seu Apolônio, irritando-o e atrapalhando a leitura de seu jornal. O encontro  sempre acabava com o Apolônio comendo o jornal, de tão nervoso que ficava com a conversa cheia de mal-entendido.

A falha na comunicação é uma questão que tira o humor de muita gente há tempo. Desde o fato da Torre de Babel, geralmente a quebra da comunicação é o mesmo ingrediente que azeda a vida de casais que se separam, ou deixam edifícios tipo arranha-céu sem terminar. Todos envolvidos, tanto na família como no trabalho, acabam amargando na boca, por bons tempos, o gosto de jornal que o seu Apolônio toda semana provava.

Parece exagero a narração bíblica da Torre de Babel. Toda humanidade uniu-se em torno da idéia de construir uma torre que chegasse ao céu, para tornarem-se notáveis. O edifício subia a toque de caixa. O motivo do aparente sucesso, diz o livro sagrado, é que todos falavam uma só língua. Aborrecido com o sentimento de arrogância no coração humano, Deus fez a comunicação deles ficar bem parecida com a do seu Apolônio com a Velha Surda. Com isso, a torre fracassou, o povo  espalhou-se, e surgiram as nações e línguas da Terra.

Repito, parece exagero. Entretanto, não é só o Criador que conhece o valor que tem a boa comunicação para o sucesso dos projetos, quer eles sejam bem intencionados ou não. Escrevendo esta crônica, ao meu lado tenho a última edição da revista Seleções, de março de 2011. Na página 138, está o resultado de uma pesquisa sobre a opinião das pessoas, quanto ao que une as nações. 53% dos brasileiros entrevistados responderam: A mesma língua. Pelo menos nisso, a voz do povo, é a voz de Deus.

domingo, 20 de março de 2011

NEM QUENTE, NEM FRIO

Enquanto meu pé apertava o freio do carro, numa esquina, um ruido de vassoura varrendo mexeu comigo. Do meu lado vi uma mulher esguia com gestos de gente aflita. De vassoura nas mãos, ela mais brigava com as folhas na calçada, do que as varria. As folhas arrancadas pelo vento do outono que chega hoje, dançavam ao lado dela. Percebi que não se importavam se a senhora tinha pressa ou não. Parecia que elas tinham todo tempo do mundo para aquela brincadeira.

Escutei o ruído delas fugindo da vassoura e se arrastando pelo chão. O som parecia mais um cochicho entre elas, combinando mais um drible na dona vassoura que tentava ajuntá-las. Coisa de criança solta na rua, entregues à vontade da meninice.

Isso me fez lembrar que hoje à noite, o senhor outono, sóbrio e sereno, inicia seu reinado entre o verão e inverno. Nem quente, nem frio. Sem exageros, ele muda a natureza e as pessoas. As vitrines e os corpos exibem com elegância novas roupas. Os rostos femininos se cobrem de maquiagem, deixando a pele com aparência de pêssego. A mesa e os pratos ganham sopas à noitinha. A mente se renova tambem. Como disse Nietzche, "o outono é mais estação da alma do que da natureza“, pois os pensamentos tornam-se mais reflexivos.

Aliás, saimos de um verão aquecido e marcado por tragédias, parecendo um trailer do apocalipse. Entre enchentes e terremotos, ver a solidez de uma nação como o Japão, de um dia para outro ser sacudida como folhas no vento, é pra fazer dos caipiras aos doutores pensarem na vida, na morte e nos seus amores.

Com certeza, depois da irreverência do carnaval, a rotina das tardes vermelho-alaranjadas, arvores se despindo, e ruas com folhas amontoadas, darão o clima para escolhas e decisões importantes para esta vida cheia de outonos. Quem tiver ouvidos, ouvirá a suave voz do Criador das estações, sussurrando na brisa palavras de ânimo e amor às suas criaturas.

Soltei o pé do freio e acelerei para avançar. Numa ultima olhada para o lado, vi que as folhas se entregaram à vassoura como borboletas cansadas na rede do caçador. Num só gesto, a senhora esguia põe elas num saco e ajeita o cabelo. Fechei a janela do carro, pois o vento soprou mais frio. É o outono nos abraçando.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

O CÚMPLICE DE LORETA

Loreta era quem mais gostava do ano novo naquela família. Na verdade, ela gostava mesmo é do início das aulas e dos cadernos novos. Filha caçula, tinha mais três irmãos que sonhavam, um dia, jogar futebol em time grande.

A história deles é curta. Um entrou na escola militar, casou moço e aposentou na polícia. Outro forjou casamento de papel passado com uma neta de japonês para trabalhar no Japão, ganhar em dólar e voltar ao Brasil. Não voltou. Morreu em um terremoto. E por fim, o mais velho, abriu um mercadinho no bairro. Prosperou e hoje é dono de casa na praia, onde passa a maioria dos dias. Nenhum virou jogador de clube de elite.

A sina de Loreta, a menina que sonhava com o primeiro dia de aula, foge do trivial. Um prazer sem explicação tomava conta dela ao abrir a primeira folha de um caderno. Olhava sua brancura riscada pelas linhas que esperavam suas palavras. Pousando as mãos sobre a folha, suspirava o cheiro de papel novo e sonhava com as letras. Ela sabia que estava diante de algo que seria mais que um amigo durante o ano, seria seu cúmplice.

Nos cantos das páginas, escrevia suas obrigações e a lida de ajudar no cuidado da casa e do avô doente.  Para dar sabor aos seus dias, cuidava de comprometer-se com as palavras em seu caderno. Combinava com elas que faria o necessário, mas quando possível, iria alem. Levar o avô para a quimioterapia era preciso. No caminho e na espera da vez, fazia algo a mais, enchendo o ouvido e coração do velho com histórias de cavaleiros e dragões libertando povos oprimidos. Na cozinha de todo dia, cortar cebolas transformava-se na arte de deitar anéis de cristais sobre saladas de encher os olhos.

Enquanto isso, a caneta ganhava as bordas do caderno e páginas escondidas traçando como fazer o melhor possível para aqueles dias. Entretanto, para o futuro mais distante, as palavras vestiam-se de profecia, pintando um quadro praticamente impossível para aquela adolescente mirrada.

Mais tarde conheceu Genésio, que fazia campanha para vereador. Genésio ganhou a eleição - e a Loreta como namorada. Noivaram e casaram enquanto a carreira do político subia como rojão de São João. Virou diplomata e foi morar com a esposa na Europa. Na terra do povo de olhos e pele clara, Loreta escreveu livros e mais livros para crianças, ao lado de seus cadernos, cúmplice do necessário, do melhor possível e do impossível.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

FOI COISA DE DEUS

Naquela manhã de quarta-feira, entrou em São José do Vale do Rio Preto um vento estranho, e o céu enegreceu rapidamente. Água e esgoto brotaram dos ralos da modesta casa de dona Ilair. Com a agitação na casa, seu pequeno vira-lata Beethoven saltou do tapete que dormia sem a costumeira espreguiçada. Ao lado do casebre, num prédio de três andares, o vidraceiro Gilberto e colegas preparam-se para iniciar mais um dia de pintura do edifício. Dia que mal eles sabiam, estava encomendado para que fossem personagens de imagens vistas em telas de todo planeta.

Conferiram as ferramentas. Entre elas não podia faltar a corda para auxiliar na pintura externa. Pouco tempo depois, Gilberto e seus colegas, do alto do prédio vêem as ruas desaparecerem sob lama, pedras, galhos e arvores arrastados por um repentino dilúvio. O prédio de três andares só mostrava dois fora da água. No meio de toda tensão alguém vê uma mulher em desespero na laje da casa ao lado. Era dona Ilair, em puro pavor, com o cão Bethoven no colo. Ela não quer morrer, pois tem filhos para criar.

Se fosse filme, diriam que foi marmelada o que sucedeu naquela hora. Providencialmente, uma longa corda é lançada do alto do prédio para puxar a mulher. Em dia de dilúvio, pinceis e brochas servem tanto quanto peneira para se esconder do Sol. Mas uma longa corda, amarraria os planos de dona morte, e permitiria dona Ilair viver para dos seus filhos cuidar.

Parecia que tudo estava ensaiado. Na primeira tentativa, a mulher se amarra perfeitamente, e com o cãozinho abraçado de um lado e corda do outro, ela se lança na correnteza. Beethoven e sua dona afundam, e sem que olhos vissem, o animal finca seus dentes no braço de dona Ilair, forçando-a a soltá-lo. O que deu nele ninguém sabe. Pode ter sido uma reação louca, ou quem sabe, ciente que sua dona precisaria das duas mãos para aquele rapel, adiantou seu fim, para que ela não sentisse a culpa de ter que fazer o que fez no meio da escalada.

Beethoven, como todo cão, nunca leu a Bíblia ou ouviu um sermão. Entretanto, sem ter dito sequer uma palavra em vida, certamente deixou lições de fidelidade, paciência, amor e compreensão.

Gilberto, ao ser nomeado pelos jornais como o responsável pelo salvamento, respondeu:
- “Não sou herói. Herói não existe. Foi coisa de Deus mesmo. O herói foi Ele. A gente só foi a ferramenta usada por Ele”.

Neste dia eu vi nas mãos de Gilberto uma simples corda, e nas mãos de Deus, um humilde vidraceiro.