quarta-feira, 3 de junho de 2009

NASCIMENTOS e FALECIMENTOS

Quem entra ou sai da Jacto pela portaria de pedestre passa imediatamente por eles. Bem ao lado das catracas erguem-se dois painéis distintos e bem confeccionados para comunicar os nascimentos e falecimentos na família dos funcionários.

O painel NASCIMENTOS tem a cor azul bem clarinho, já o FALECIMENTOS é de um azul mais solene. Ambos estão fincados lado a lado como esguias sentinelas, olhando para a rua e os prédios que formam o complexo fabril.

Mudos, mas como quem olha decidido e sem vacilar, fitam de frente todos que saem da empresa pela portaria de pedestres e proclamam:
- Eis aqui teus filhos e eis aqui teus mortos.

Não tanto pela estética ou design - mas pelo que anunciam - eles atraem meu olhar com o magnetismo peculiar dos nobres e ilustres personalidades. Não consigo passar por eles sem olhá-los. Vejo-os ao entrar e ao sair.

Seguro a respiração para ler o que FALECIMENTOS proclama, como se isso me ajudasse a sorver o anúncio todo com um friozinho na espinha. Já NASCIMENTOS me faz soltar o ar e um sorriso ao imaginar os rostinhos santos dos donos dos novos nomes apontados ali.

Invariavelmente gravitam em minha mente estranhos pensamentos sobre aqueles painéis, pois parecem que têm uma alma, uma personalidade e uma vocação. Chego até a pensar que quando sós, sem olhos que os mirem, passam o tempo desafiando-se e disputando o próximo anúncio. Imagino-os tambem angustiados, querendo comunicar algo a mais do que anunciam. Será que eles teriam mesmo algo mais a nos dizer?

Mas enquanto o eco da voz que ordenou-nos “crescei e multiplicai-vos” rebombar por aqui, NASCIMENTOS continuará renovando suas proclamações como o sol a cada manhã. Mas sei também que FALECIMENTOS não ficará atrás, pois a fome da sepultura ainda é grande, e ansioso aguardo o dia que será calada por aquele que a abandonou sem o auxilio de mãos humanas.

Até que esse dia chegue, para NASCIMENTOS e FALECIMENTOS não faltará serviço, nem mesmo em épocas de marola na economia.