domingo, 20 de março de 2011

NEM QUENTE, NEM FRIO

Enquanto meu pé apertava o freio do carro, numa esquina, um ruido de vassoura varrendo mexeu comigo. Do meu lado vi uma mulher esguia com gestos de gente aflita. De vassoura nas mãos, ela mais brigava com as folhas na calçada, do que as varria. As folhas arrancadas pelo vento do outono que chega hoje, dançavam ao lado dela. Percebi que não se importavam se a senhora tinha pressa ou não. Parecia que elas tinham todo tempo do mundo para aquela brincadeira.

Escutei o ruído delas fugindo da vassoura e se arrastando pelo chão. O som parecia mais um cochicho entre elas, combinando mais um drible na dona vassoura que tentava ajuntá-las. Coisa de criança solta na rua, entregues à vontade da meninice.

Isso me fez lembrar que hoje à noite, o senhor outono, sóbrio e sereno, inicia seu reinado entre o verão e inverno. Nem quente, nem frio. Sem exageros, ele muda a natureza e as pessoas. As vitrines e os corpos exibem com elegância novas roupas. Os rostos femininos se cobrem de maquiagem, deixando a pele com aparência de pêssego. A mesa e os pratos ganham sopas à noitinha. A mente se renova tambem. Como disse Nietzche, "o outono é mais estação da alma do que da natureza“, pois os pensamentos tornam-se mais reflexivos.

Aliás, saimos de um verão aquecido e marcado por tragédias, parecendo um trailer do apocalipse. Entre enchentes e terremotos, ver a solidez de uma nação como o Japão, de um dia para outro ser sacudida como folhas no vento, é pra fazer dos caipiras aos doutores pensarem na vida, na morte e nos seus amores.

Com certeza, depois da irreverência do carnaval, a rotina das tardes vermelho-alaranjadas, arvores se despindo, e ruas com folhas amontoadas, darão o clima para escolhas e decisões importantes para esta vida cheia de outonos. Quem tiver ouvidos, ouvirá a suave voz do Criador das estações, sussurrando na brisa palavras de ânimo e amor às suas criaturas.

Soltei o pé do freio e acelerei para avançar. Numa ultima olhada para o lado, vi que as folhas se entregaram à vassoura como borboletas cansadas na rede do caçador. Num só gesto, a senhora esguia põe elas num saco e ajeita o cabelo. Fechei a janela do carro, pois o vento soprou mais frio. É o outono nos abraçando.