terça-feira, 25 de janeiro de 2011

FOI COISA DE DEUS

Naquela manhã de quarta-feira, entrou em São José do Vale do Rio Preto um vento estranho, e o céu enegreceu rapidamente. Água e esgoto brotaram dos ralos da modesta casa de dona Ilair. Com a agitação na casa, seu pequeno vira-lata Beethoven saltou do tapete que dormia sem a costumeira espreguiçada. Ao lado do casebre, num prédio de três andares, o vidraceiro Gilberto e colegas preparam-se para iniciar mais um dia de pintura do edifício. Dia que mal eles sabiam, estava encomendado para que fossem personagens de imagens vistas em telas de todo planeta.

Conferiram as ferramentas. Entre elas não podia faltar a corda para auxiliar na pintura externa. Pouco tempo depois, Gilberto e seus colegas, do alto do prédio vêem as ruas desaparecerem sob lama, pedras, galhos e arvores arrastados por um repentino dilúvio. O prédio de três andares só mostrava dois fora da água. No meio de toda tensão alguém vê uma mulher em desespero na laje da casa ao lado. Era dona Ilair, em puro pavor, com o cão Bethoven no colo. Ela não quer morrer, pois tem filhos para criar.

Se fosse filme, diriam que foi marmelada o que sucedeu naquela hora. Providencialmente, uma longa corda é lançada do alto do prédio para puxar a mulher. Em dia de dilúvio, pinceis e brochas servem tanto quanto peneira para se esconder do Sol. Mas uma longa corda, amarraria os planos de dona morte, e permitiria dona Ilair viver para dos seus filhos cuidar.

Parecia que tudo estava ensaiado. Na primeira tentativa, a mulher se amarra perfeitamente, e com o cãozinho abraçado de um lado e corda do outro, ela se lança na correnteza. Beethoven e sua dona afundam, e sem que olhos vissem, o animal finca seus dentes no braço de dona Ilair, forçando-a a soltá-lo. O que deu nele ninguém sabe. Pode ter sido uma reação louca, ou quem sabe, ciente que sua dona precisaria das duas mãos para aquele rapel, adiantou seu fim, para que ela não sentisse a culpa de ter que fazer o que fez no meio da escalada.

Beethoven, como todo cão, nunca leu a Bíblia ou ouviu um sermão. Entretanto, sem ter dito sequer uma palavra em vida, certamente deixou lições de fidelidade, paciência, amor e compreensão.

Gilberto, ao ser nomeado pelos jornais como o responsável pelo salvamento, respondeu:
- “Não sou herói. Herói não existe. Foi coisa de Deus mesmo. O herói foi Ele. A gente só foi a ferramenta usada por Ele”.

Neste dia eu vi nas mãos de Gilberto uma simples corda, e nas mãos de Deus, um humilde vidraceiro.