sábado, 15 de fevereiro de 2020

EPIFANIA NO ZOO


Caro leitor, pergunto-lhe, o que é comum encontrar nos zoológicos além dos bichos? Não espero compartilhamos do mesmo ponto de vista, porém aposto em gente e placas. Entre elas estão os animais, com expressões de indiferença e marasmo. Cada um em sua jaula assiste um vai e vem de seus visitantes exibindo tagarelice, selfies e risos debochados. Como epidemia, a irreverência e excitação ocupa os ares do recinto. Entretanto há uma jaula que seu morador não vê e nem ouve o mesmo que seus vizinhos.

É a jaula do leão. Guardado nela, ele gasta o dia em cochilos e circulando preguiçosamente. Não importa o que o felino esteja fazendo. Seu olhar quieto e seguro movendo-se sobre um andar macio exaltam sem holofotes sua glória. Mesmo cativo e fora de seu habitat, sua essência flui e impõe um clima de quase adoração aos que o assistem. Nota-se que apesar das grades oferecerem segurança aos que estão do lado de fora, elas não anulam o temor e sensação de ser um atrevimento estar diante da realeza encarnada naquela criatura. Minuto a minuto, silêncio e reverência se apossam do público na presença dele, e placas adormecidas em cada visitante vão se levantando. Placas que alertam, mas que também indicam uma direção, apontam para algo além do conhecido e tangível.

Senti que tais placas são latentes nos humanos, e revelam no indomável felino um ícone de um rei superior e supremo que materializou com um único sopro as selvas e a constelação de seres que as povoam. Um rei que habita na eternidade e que de seu trono compadece-se dos fracos que anseiam desfrutá-lo no porvir. O temível felino estaria espelhando o resplendor deste ser, o seu criador?

Se me enganei com as impressões, o passeio no zoo e o futuro terão igual desfecho para todos. Cada um com suas lembranças enquanto durarem, e a satisfação das curtidas nas redes sociais. Afinal, o que se pode esperar quando acredita-se que a vida não vai além de um irreverente programa no zoo? Porém, se um amanhã está agendado para estarmos diante de um sublime juiz, qualquer estilo de vida marcado pela altivez e autojustiça entrará pelas portas desta autoridade como a palha desafiando o fogo, e a cera indo a guerra contra as chamas.

Heron Caetano