quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

2011 ESTÁ NA MESA

2010, como outros anos, foi duro de digerir para uns e prazeroso para outros. Mas as fatias e bocados dele estão no fim, deixando alguns com gostinho de quero mais, e outros com cara de quem comeu e não gostou.

A mesa posta no primeiro dia de janeiro de 2010 está quase vazia, e sendo preparada para 2011. Entretanto, na última semana, ela ainda terá o melhor que se pode comprar em comidas e bebidas. Aos que estão preocupados com peso, relaxem e comam, pois o que engorda não é o que se come entre Natal e Ano Novo, mas entre o Ano Novo e o Natal.

Espero que a mesa sua no ano que passou, tenha servido você e sua familia de bons filés e manjares. Na minha, este ano teve rapadura. Foi duro descer, mas estamos saindo com os dentes inteiros e sentindo um sabor doce. A família ligou-se mais, como boa massa de panetone, e os sentimentos estão caminhando para chegar ao ponto de um bom chantily.

Apesar dos ácidos aromas e sabores no país e no mundo tentarem influenciar nosso paladar, é possível fazer prevalecer o bom tempero da comida caseira. Com ingredientes de fé em Deus, paciência e amor, chegamos bem até aqui, com amigos e familiares, prontos para estourar um champanhe.

Desejo que sua esperança seja renovada e regada pelo azeite gracioso de Deus.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

CRIANÇA DESAPARECIDA

Aliviei a pressão do pé no acelerador do carro e busquei a carteira de dinheiro, torcendo um pouco o nariz e a boca para o mesmo lado. Era mais um pedágio à frente. Não me incomodei por isso, pois o pensamento fixava-se em outro fato: na volta, o acento vazio naquele momento estaria ocupado por minha esposa. Os três meses dela fora de casa e dentro de hospitais estavam terminando, trazendo-me a sensação de fim de inverno e início de primavera.

No pedágio, a mão que pegou meu dinheiro, devolveu-me o recibo que teria como destino certo um lixo. Ao levá-lo ao bolso, num relance vi no verso dele rostos. Como vento, aquelas imagens sopraram o tédio e a ansiedade da viagem. Tratava-se de fotos de crianças desaparecidas. Imediatamente pensei se elas estariam muito diferentes naquele dia. Haveria nos rostinhos marcas no lugar do brilho rosado, ou expressões de dor ou angústia?

A cada pedágio, outras fotos ajuntavam-se às que já estavam bem guardadas no bolso. Reconhecer um rosto daqueles em alguém um dia seria muita pretensão minha, pois até da minha imagem no espelho esqueço num piscar de olho. Conclui que aquelas fotos, como fogo em capim seco, logo se apagariam da minha mente e não seriam muito úteis. Entretanto, não fui capaz de desfazer-me delas. Havia uma ternura cativante naqueles rostinhos.

Recentemente, minha filha pediu-me fotos dela com a família para um trabalho de escola. Rapidamente saquei algumas de uns porta-retratos. Ao deixá-las numa escrivaninha, notei perto delas os recibos de pedágio com as fotos das crianças desaparecidas. Como aqueles porta-retratos, fiquei vazio ao pensar nos pais daquelas crianças. Eles, como eu, sacaram das molduras ou albuns as fotos de um filho. A diferença é que não foi para entregar à própria criança, mas para a polícia ou algum orgão da imprensa.

E depois? Como reorganizar a vida e responder perguntas do tipo quantos membros tem a família? Enfrentar a rotina de olhar a cama do filho sempre arrumada, ou por a mesa com um prato a menos. A vida segue, mas segue como um salto em queda livre, ou como um pesado sonho onde todo esforço para acordar é inútil. Imagino que quando os recursos de reencontrar um filho esgotam-se, viver torna os dias como um oceano sem horizonte. A terra desejada só se vê por sonhos. Ainda mais quando se pensa que a criança pode estar viva, e perambulando como um fantasma, que nem o nome ou identidade consegue comprovar. Nesta tormenta, somente um salva-vidas sustenta a espera: um salva-vidas chamado esperança, loucura para uns, salvação para muitos.