quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Criolando, Salomão e o fim de todos

Criolando, Salomão e o fim de todos

Em quase toda cidade do interior existem aquelas pessoas que se tornam populares pela excentricidade ou esquisitice que vivem. Lembro-me que em Jaú, onde cresci até minha juventude, havia um homem que andava sempre acompanhado de um cavalinho de pau. Criolando, como era conhecido, com seu inseparável cavalinho visitava todos os velórios, e chorava em cada um deles. Não bastasse isso, se fato ou folclore, conta-se que prognosticava quem morreria naquele dia, chegando muitas vezes até passar pela casa de tal pessoa. A morte o acompanhava, e a dupla - homem e cavalo - seguia aquela que atormenta os vivos. Enquanto tantos buscam festas para ocupar suas agendas e esquecer-se das preocupações, Criolando procurava os que pranteavam a perda dos seus. Hoje, a sepultura de Criolando é uma das mais visitadas no cemitério jauense.

Loucura ou sabedoria? Excentricidade ou altruísmo generoso? Condenação ou consolo? Antagonismos a parte, de um modo claro, o sábio rei Salomão concluiu que é melhor estar onde há luto do que onde há festa, pois no velório se vê o fim de todos. Na festa, ou de festa em festa, este evento real e inevitável é ofuscado, mas não apagado. E como qualquer coisa séria e certa na vida, deve-se considerar tal fato e seu desdobramento com temperança. Criolando que o diga.

Já que velório é um privilégio, ou melhor, uma oportunidade que nos enriquece, como regra fui abençoado no último que participei em Pompéia. Infelizmente a família querida e admirada por mim e por muitos sofria a dor do adeus, do laço da vida sendo desatado para um dos seus. Mas certamente estão consolados por crerem que as pontas deste laço estão nas mãos daquele que faz e desfaz os tais.

Na sala velatória, por detrás do caixão, janelas de blindex permitiam ver a paisagem de montes e vales com árvores e arbustos revigorados pelas chuvas de verão. O dia também se despedia, sendo apressado o fim das luzes por nuvens densas de chuva que se formavam e eram movidas pelos fortes ventos que sopravam. Subitamente os contornos destas nuvens eram destacados por relâmpagos que cortavam a paisagem. Nesse quadro quase inexplicável meus olhos se fixaram por um tempo. Vi as árvores, umas mais altas, outras mais baixas e robustas vergando-se aos ventos, que apesar de invisíveis como as tribulações da vida, não se podia negar sua presença insistente em dobrar quem se punha em seu caminho.

Que metáfora da vida! Logo ali, por detrás da cena da morte e diante dos olhos dos vivos. Vida que luta contra o invisível, e insiste em combater a faminta morte. Vida que resiste para permanecer e ser eterna como é seu criador, que um dia destruirá a teimosa que se opõe à sua criação. Para mim um dia a corda se soltará, o laço se romperá e as forças acabarão. Onde deitarei minha alma quando aos ventos eu não resistir mais? Um corpo cansado em qualquer chão pode repousar, mas e uma alma, onde repousará?

Com estes pensamentos na mente meu olhar estava voltando para dentro da sala no momento que iniciávamos uma cerimônia de despedida cantando “Mais Perto Quero Estar, Meu Deus de Ti”. Com a emoção embargada por esta canção, a mesma que a orquestra a bordo do Titanic tocava quando o naufrágio era certo, respondi e dei sossego pra minha alma enquanto via o fim de todos.

Heron Caetano
Enviado por Heron Caetano em 16/08/2009

domingo, 2 de agosto de 2009

Pegadas

Não demorei muito pra perceber que usar o SAP é como andar na areia da praia - o nome do usuário, como a marca dos pés, sempre fica gravado por onde se passa. Alem disso, é como se a areia petrificasse em seguida, registrando a pegada para a posteridade, não tendo chuva ou maré que apague a danada.

Como as funções de um analista de T.I. invariavelmente envolvem análise de processos e lançamentos no SAP, geralmente estou como um enxerido buscando o usuário responsável para tratar de alguma questão. Quando procuro o nome do autor de um registro, uma discreta tensão surge e parece que a palma da mão vai molhar o mouse. É quase a mesma sensação ao acionar o “Enviar” de um email ou o “Publicar” desta crônica no blog. É que a informação sai, mas não sai só. Leva a personalidade de seu dono, quase que a própria presença - e os números e letras ganham cheiro, rosto e caráter. Assim, minha conexão com o registro torna-se quase humana.

Procuro desfrutar destes relacionamentos como bênçãos de Deus, pois há usuários que suas pegadas transcendem o meio magnético e passam a marcar meus sentimentos como pegadas de elefante, deixando as suas marcas num ir e vir infinito. E há outros que descobrem novas e criativas maneiras de executar um processo já padronizado, transformando nossa rotina num eletrizante passeio na montanha russa.

Penso que essa necessidade em gravar o nome por onde se passa não nasceu na casa do SAP, mas é inerente a qualquer humano - dos astros que assinam seus nomes na calçada da fama aos satélites como nós que gravamos desde a infância nossas iniciais no cimento fresco, portas e paredes da vida.

Talvez isso tenha a ver com o desejo de driblar a finitude de nossa existência, registrando assim a passagem sobre a Terra ou até mesmo sobre a Lua como fez Neil Armstrong há 40 anos atrás deixando sua pegada no solo lunar.

Portanto, assim como é inútil na Terra, na Lua e no SAP o esforço de tentar andar sem deixar marcas, sorria quando clicar no “Gravar”, seu nome estará sendo gravado.

Esta crônica é uma homenagem aos usuários SAP do Grupo Jacto.

Sou Peter Pan no coração

 

Sou Peter Pan no coração

Terminaram as grandes homenagens a Michael Jackson. Agora observo as luzes caírem sobre a causa da sua morte. Um mistério que talvez seja uma gota comparada ao oceano de segredos que banhou seus dias neste mundo. Vida que a excelência e a miséria disputaram minuto a minuto, uma querendo ocupar o trono da outra.

Não sou doutor da mente nem tenho mente de doutor. Por isso antes de tentar entender as bizarrices e controvérsias da vida do astro me apiedei e esvaziei a alma que insiste em encher-se de reflexões e explicações. Como entender a mente dele se nem a minha que parece um “kinder-ovo” consigo?

Mas foi prato cheio e “bombou” entre os analistas de plantão uma das últimas declarações do astro dizendo “sou o Peter Pan, no meu coração sou o Peter Pan”.

Com meus botões eu pensei: Será alienação ou delírio dizer que é ou quer ser no coração um Peter Pan? Percebo que este anseio de viver na terra do nunca e não ser tragado pela morte, é apenas mandar pra fora com a boca da criatura o que foi posto por dentro com o sopro do criador: o sentimento de eternidade no coração de quem foi feito a imagem e semelhança dEle.

Só que a vida neste mundo tem duas filhas: a graça e a desgraça. Desde o princípio o ser humano foi feito para viver com a graça, mas arriscou um “selinho” na boca da desgraça e esta não o deixou mais, fazendo-nos existir como Cinderela presa aos ponteiros da meia-noite. Essas cordas de tensão e ansiedade só podem ser aliviadas pelas mãos da graça.

E como uma flor que nasce no pântano, a graça apresenta-se na vida de todos banhados pela miséria. O pai de Michael Jackson ninguém merece, mas quem sabe outro talvez tivesse insistido que o filho fosse jogador de futebol ou um doutor, mas não um dançarino e cantor que brindou nossa geração com a apoteótica arte que saiu de sua alma e de seu corpo.

Assim como sei que Manaus é no Amazonas, é certo que aqui não é o jardim do Éden banhado pelos seus rios, mas a graça nos acompanha, amada e amiga servidora, para ser lembrada e buscada como tesouro gratuito.

Apenas vivo e quero continuar vivendo, caminhando em direção a terra do sempre que Deus me deu. O desafio é viver neste mundo com os pés no chão e os olhos nas estrelas.

Heron Caetano