Ali, no meio de tantas pessoas que estavam esticando em mais uma geração esta tradição de brincar com o vento, entendi que quem faz a pipa é o próprio vento. As partes da pipa se compram e se constroem, mas o vento não se faz, não se compra, não se deixa dominar. Só há pipa no céu quando ele quer. E pipa no chão é choro sem lágrima. Mas, para alegria de todos, lá estava ele, invisível e intocável, sem traços que o contornem ou pincéis e tinta que lhe deêm cores. Delgadas e coloridas, as pipas no céu anunciavam a sua presença naquele dia.

As vezes penso que o vento tem temperamento, ou melhor, todos os temperamentos e humores. Quem não se emociona com uma brisa terna da tarde de Outono que encarna lembranças de momentos queridos? Travesso e extrovertido é o vento de Agosto que levanta as saias e desmancha penteados. Súbito e intempestivo, o vemos chegar no Verão revirando guarda-chuvas e fazendo telhados voarem.
Tão cheio de vontades e humores ele é, que torna vão todo esforço em entendê-lo. Misterioso, temperamental, ora sopra, ora não sopra, sopra de lá para cá e de cá para lá, como quer. Por isso, nem sempre ele é bem entendido: Quando geme, alguns dizem que canta, e quando ele canta há quem diga que ouve gemidos. Tão misterioso é, que o nome do instrumento que se presta a entender sua direção foi batizado de Biruta. Apesar de tudo isso, não é difícil concordar com o escritor Fernando Pessoa que diz: "Só para ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido".