No caminho para cidade, Ambição trotava sem pressa de deixar a vida do campo. Entretanto, o ritmo da cidade era como o de um remanso. Porém, um certo dia, a rotina da cidadela mudou - um dos cruzamentos centrais ganhou a atenção dos moradores. Ambição observava os olhares humanos ao alto e dedos apontando para grandes luzes multicores, que, feito faróis ficavam suspensas no ar por um esbelto poste: Um semáforo era a mais nova aquisição e sensação do município.
Entre os curiosos, Ambição ouviu uma voz mais empolgada: “Olhem, é igual ao da cidade grande!”. Ela nem se deu conta do que ouvia, mas estava sendo testemunha de uma profecia. Envolvida pela novidade e frenesi dos humanos, a admiração de Ambição pelo semáforo tornou-se um caso de paixão não correspondida. Semáforo, em sua glória, passava os dias dado ao orgulho e irreverência controlando o ritmo dos veículos e pedestres. Onésimo, ignorando tal paixão, estranhava a teimosia de Ambição em passar naquele cruzamento, apesar de ser alvo do desprezo de Semáforo.
Sem pedir licença, o progresso entrou na vida daquela comunidade, cumprindo a profecia de tornar-se cidade grande. Onésimo e Ambição retornaram à vida campestre. Os carros modernizaram-se e multiplicaram-se, porém a admiração e respeito ao semáforo minguaram. Semáforo sentia-se desprezado pelos motoristas que aproveitavam sua distinta luz vermelha para arrumar cabelos, retocar maquiagem, falar ao celular ou paquerar. Seu rico amarelo cansou de pedir atenção. O verde, por mais justo que julgasse ser, chateava-se ao ver caras e bocas insatisfeitas com seu tempo.
Semáforo, apesar da vida agitada sob seus olhos multicores, acumulava um sentimento de culpa ao ver seu vermelho atrair assaltantes e pedintes, além de serviços não solicitados que mais constrangiam do que serviam aos motoristas. Num dia de muito sol, Semáforo teve um breve delírio, e viu entre os carros um par de olhos de mula fitando-o ao alto. Lembrou-se do olhar apaixonado de Ambição, e do tempo e valor recebido da humilde admiradora. Enquanto a visão se apagava, acendia em Semáforo uma certeza: a de que ele não passava de um burro.
Muito bom Heron..João Resende
ResponderExcluirCaro Heron, vim ler algo mais. Excelente crônica sobre o avanço da modernidade sobre as cidadezinhas, e o descaso com que motoristas tratam semáforos. Apreciei tb a criação das personagens personificadas e pensantes. Enfim, uma crônica que não poupa críticas ao "inteligente' procedimento humano. Parece que as pessoas sentem enorme prazer em transgredir. Parabéns pela criação, um abraço. José
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